Preservar a normalidade não é mudar, mas é necessário à mudança

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Há uma discussão, a meu ver ociosa, na esquerda sobre a pauta da tal Agenda Brasil proposta, formalmente, por Renan Calheiros, mas que expressa – inequivocamente – o preço que cobra o sistema empresarial e político para não aderir ao projeto de derrubada da Presidenta Dilma Rousseff.

Parece, ou deveria parecer,  evidente que um pacote de medidas vindo daí jamais pode ser algo igual à pauta de ideias populares, nacionalistas ou de inclusão social. Embora, é claro, existam muitos pontos em que possam coincidir, a começar pelo clima capaz de tirar o país da paralisia e do estupor a que a manipulação política da crise nos conduziu.

Para isso, claramente, estes setores cobram seu preço e entraremos, como é praxe na democracia, num processo de barganha política para avançar mais ou menos, para retroceder mais ou menos, para seguir caminhos mais assim ou mais assado.

Porque é sempre assim que se constrói a história das transformações: do contrário, é o autoritarismo, a perda das liberdades a exclusão total – social e política – da população pobre e dos trabalhadores, como ocorreu em 1964, com a ruptura do sistema democrático, informal ou informalmente, pois ele pode se dar, na aparência, com a preservação de ritos no lugar da brutalidade de uma junta militar.

O povo brasileiro sabe bem o que isso significa sobre os seus direitos políticos e sociais.

A discussão sobre retrocesso pertence ao passado, politicamente já remoto, que marcou os 40 dias (ou mais) em que Dilma Rousseff retirou-se para o deserto após a vitória eleitoral e só o tempo nos mostrará que tipo de leões e azinheiros em fogo ela viu por lá, para voltar abúlica como voltou.

Ao ponto de, na prática, ter entregue a articulação política a Joaquim Levy e aos bisonhos integrantes do “núcleo aristocrático” palaciano.

Agora, pela primeira vez este ano, é possível vislumbrar a possibilidade de tirar a pauta política das mãos do aglomerado ensandecido formado por interesses que dispensam maiores descrições: a mídia, o eixo policial-judicial curitibano, Eduardo Cunha e o fundamentalismo religioso e por aí vai…

E note-se que ainda não desistiram, detonando na “sexta-feira, 13” mais um espasmo de prisões para fornecer “combustível”, no Jornal Nacional e na Veja para as ex-mega-manifestações de domingo.

Nossas causas, nossas bandeiras, nossos projetos de Brasil não devem nem podem ser guardados em nome de uma política de alianças pela sobrevivência. Ao contrário, eles devem ser nossos objetos de disputa em qualquer formação ampla de governo e, apertados nesse bonde, as conquistas populares serão sempre motivo dos “tira a mão daí” e dos “chega pra lá” da coerência política.

O que precisamos, sim, é recompor nossa capacidade de travar a luta política, arruinada pela decomposição da aliança, pelo enfraquecimento do PT, pela ausência de Lula no debate e na articulação política e na perda de iniciativa que marca a esquerda desde o final do processo eleitoral.

Estivemos muito perto de um golpe de Estado e nem mesmo podemos dizer que estamos a uma distância mais que segura dele, embora, sim, bem mais distantes.

Seria muita tolice supormos que, tendo chegado a este ponto, sairíamos ilesos deste processo.

Não está tudo bem, não. Mas, pela primeira vez, faz tempo, voltamos a poder travar a luta política.

A presença de Lula, ontem, na articulação com o PMDB, é um sinal de que o personagem central, o mais simbólico e o mais efetivo, de um projeto nacional volta à cena da qual os inimigos do povo brasileiro o tentaram tirar.

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12 respostas

  1. “Que os anjos digam Amém”
    À volta da luta política
    Política e Democracia
    É isto que interessa no momento

  2. Acho até que um projeto nacional precisa de orientação do empresariado. Para onde eles querem ir? O Governo dá as ferramentas mas coloca também para onde o social deve caminhar.
    Não vejo problemas em atender pauta da industria e da classe média, mas é preciso deixar claro que não deve haver benefício não houver contrapartida social.

  3. Concordo em tudo e mais do que tudo. Mas, por culpa de meu congênito pessimismo que de tão arriçado transformou-se numa espécie de superstição, continuo a pensar que ainda corremos enorme perigo.

  4. A aparente reviravolta política na realidade, está nos presenteando com uma explosão nas taxas de juros e serviços da rede bancária, com a adesão dos bancos estatais.
    Agiotas públicos e privados que ganham para frear qualquer iniciativa de desenvolvimento.

  5. Discordo apenas da “ausência do Lula”.
    Acredito que ele atuou fortemente nos bastidores para que esse “acordo” surgisse.
    Quanto ao enfraquecimento do PT e das esquerdas isso é absolutamente natural. O importante é o pessoal chacoalhar a cabeça e seguir em frente, visando o bem maior que é o Brasil e não os fisiologistas eleitos pelo empresariado.
    Fernando, parabéns pelo seu incansável trabalho em favor de um país mais justo e solidário.

  6. Concordo. Não está tudo bem. O acordo foi com o governo, não foi com a sociedade, porque não nos convidaram para essa festa podre que eles armaram para a Dilma.Ainda está tudo muito ruim, mas assim como a elite empresarial ganha tempo e dinheiro, os movimentos sociais também ganham tempo e fôlego para não perder de vez seus direitos. E tempo, nesses dias bicudos e sombrios, não se desperdiça.

  7. Sr.Fernando Britto.O senhor é autor,de uma constatação de que,o único fenômeno previsível no parlamento brasileiro,é o INSTINTO DE PRESERVAÇÃO DO PMDB.Ora,tal constatação nos leva à muitas conjecturas e dentre elas,qual será o comportamento da bancada peemedebista,bem como as bancadas dos pequenos partidos que se alinharam de início,à governabilidade,posto que o atual governo,dispõe no congresso,pequena margem de manobra,em face da quase ausência da bancada do PT,por dúbias compreensões do que estão fazendo lá.No quadro atual,tem então o governo,que se expor às múltiplas manobras do que seria maioria congressual,sem arredar pé de seus propósitos iniciais.Claro que isso,decorre do CERCO GOLPISTA QUE SE FORMOU,e que esboroou por não terem apoios externos,como no passado não muito distante e pela mudança na correlação de forças que internacionalmente se alterou.Em face disso,o tempo vai nos ditar os rumos a seguir,posto que o tempo,sempre foi bom conselheiro e os fatos,teimam em acontecer,a despeito de nossas subjetivas vontades.

  8. O Lula é unipresente pode acreditar. Esteve pro trás de tudo o que pode para melhorar as relações do governo Dilma. Só não pode aparecer mais, porque isso enfraquece o governo e gera ciúmes na parte aristocrática (genial!!!!) do mesmo governo. Parabéns Fernando, excelente análise.

  9. Daí, um presidente do Partido dos TRABALHADORES, para manter-se legitimamente no Poder, abraça a pauta dos EMPREGADORES.
    Se quer achar ponto convergente entre as pautas como o Progresso da Nação, tudo bem, mas que se deixe bem claro que o “progresso” é do empresariado (que leva o Brasil), mas não haverá “progresso” em campos sociais, especialmente quanto à desigualdade social.

  10. É isso aí!
    A direita, apoiada pelos EUA, sentindo que está em queda, está jogando pesado.
    A gente pode até retroceder um pouco agora, mas as principais conquistas serão preservadas.
    Haverá futuramente momentos propícios para avanços.

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