Os pervertidos da lei

Não é apenas Rodrigo Janot, no mundo das togas e tribunais, que faz o desejo e o ódio servirem-se da lei para fazer o mal.

Há dois exemplos disso em pleno curso: a tentativa, deliberada, de usar dispositivos da Constituição e da lei de forma seletiva e arbitrária, com o evidente objetivo de que, em relação a Lula, faça-se o contrário do que a legislação pretende.

O primeiro é a dita “modulação” dos efeitos da decisão, em habeas corpus, de que situação que frustre o direito de ampla defesa fique condicionada à apresentação anterior de reclamação e à comprovação de efetivo prejuízo ao réu.

O que está em causa não é o réu, mas o devido processo legal, como resume, como sempre de forma magistral, Janio de Freitas: “a incorreção a ser anulada não está no réu, está no processo”.

Até o feroz ministro Edson Fachin já concordou que o direito e defesa não pode ser restringido pela falta de ordem sucessiva – acusação, antes; defesa depois”:

“Não há dúvida, sob a minha ótica, de que a realização do interrogatório do acusado após a oitiva das testemunhas tem como efeito maximizar as garantias do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (art. 5º, LV e 5º, LVI, da Constituição da República). Afinal, como é um ato de autodefesa, ao acusado se dá a oportunidade de esclarecer ao julgador eventuais fatos contra si relatados pelas testemunhas. Falando por último, o réu tem ampliada suas possibilidades de defesa” (HC 127.900/AM. Voto min. Edson Fachin. Pág. 21).

Ora, mesmo que não se possa dizer que o réu delator não é um assistente da acusação ele é, além de réu, testemunha de acusação e o réu delatado tem o direito de responder ao que diz a qualquer tempo do processo, antes da sentença.

É isso o que está em causa e, ao reconhecer-se que se deveria abrir prazo para a contestação das alegações finais do réu delator, por sua condição de, no mínimo, também testemunha de acusação, é forçoso admitir que não são finais as alegações que o réu-delatado foi intimado a apresentar em tempo igual, portanto, sem o conhecimento de tudo o que dele se diria, porque não é sabido.

E basta isso para interromper o processo, nas palavras de ninguém menos que Luís Roberto Barroso, que em julgamento em que negou habeas corpus reconheceu expressamente que “A ação penal não poderia ter andamento sem que as alegações finais fossem oferecidas.” (STF – HC: 158124 RJ )

A admissão, portanto, não é a sobre que se houve prejuízo ou não na argumentação da defesa diante da manifestação do delatado, mas de que o julgamento não poderia ter ocorrido sem que pudessem ter sido apresentadas alegações realmente finais. Não é possível “adivinhar” o que teria dito, se houvessem e muito menos o quanto poderiam influir sobre o convencimento do juiz ao prolatar a sentença.

Se isso obrigar ao refazimento de um, dez ou cem sentenças, é ônus que cabe ao Estado- Juiz, que deixou de cumprir o seu dever processual.

Não obstante, é a “conta de chegar” que exclua ou restrinja os efeitos da decisão – que é de princípio – para que valha apenas aqui e ali, não acolá – e o acolá é Lula – o que deve acontecer.

A segunda questão é ainda mais fácil de compreender.

O pedido da Força Tarefa da Lava Jato de pedir a progressão de regime de Lula para o semiaberto não é apenas um ineditismo – alguém já viu o MP pedir progressão de regima? – mas uma malandragem.

É obvio até aos cegos que não haverá prisão domiciliar mais vigiada que a de Lula, porque não haverá sequer um segundo em que não existam pessoas em geral, repórteres e câmeras de vídeo apontadas para a portaria do prédio e para as janelas do apartamento onde mora.

Monitoramento humano e eletrônico ele terá todo o tempo.

Sabendo que a soltura de Lula tende a ser inevitável, quer uma nova pena, a da humilhação que pretende ao fazê-lo colocar uma tornozeleira eletrônica.

Como não existe – por enquanto – a pena de humilhação pública, estaremos na esdrúxula situação de ver um réu digno recusar-se a sair da cadeia e um MP sórdido querendo obrigá-lo a isso, para exibi-lo com uma espécie de “coleira” infamante.

A ânsia politiqueira dos promotores, em lugar de atar um alarme ao pé de Lula, vai sair-se um tiro do pé de seu próprio ódio.

O psicanalista Christian Dunker teria, nestes dois casos, material de sobre para sustentar seu diagnóstico de que “há duas maneiras básicas de perversão da lei: afirmá-la por meio de uma negação ou negá-la por meio de uma afirmação”.

 

 

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14 respostas

  1. … A bem da verdade, esses indignos maus elementos da ‘Farsa a Jato’ lesa-pátria têm o livre arbítrio de serem delinquentes vulgares…
    O que é inadmissível é o fato de estes canalhas indigentes perpetrarem toda a sorte de crimes hediondos incrustados na máquina pública estatal!
    EM TEMPO: e tão bandidos quanto os infames mafiosos ‘SUJO mor(T)o’, caDDeia, “janot do boteco da Friboi” et caterva são os comparsas das tais instâncias superiores que cevam estes pilantras!
    Instâncias superiores, sei!
    Rebanho de odientos psicopatas “malucos por dinheiro e poder”!

  2. O antepenúltimo parágrafo é um dos exemplos máximos da distopia a que chegamos.
    É de se perguntar mesmo se algum dia voltaremos a ter instituições que obedeçam a lógica, já que o ordenamento jurídico foi pro beleléu há muito tempo, pedalando eu diria, em 2 de dez de 2015, quando a presidente legítima foi golpeada.
    Lula Livre > quando ele quiser.

  3. Quem pode solicitar o regime semiaberto, o advogado do preso ou a acusação? acho que a acusação está cometendo um crime, um só não, vários: 1° quem pode solicitar os benefícios no comprimento da pena é a defesa, 2° abuso de autoridade, ao solicitar que um réu passe para o referido regime com tornozeleira, ao qual o réu não reconhece a pena e não solicitou o beneficio entre outras.
    O melhor seria reconhecer que não foi as provas que o condenou, mas a convicção que ele é culpado, que ai é mais um crime imputado na sentença, comprovadamente demostrado o coluio do MP e do Judiciário. Só que o maior creme foi o eleitoral que com o coluio entre a força tarefa da Lava-Jato (onde temos o juiz acusador sendo o mesmo que julga as sentenças incluído nessa força tarefa).

  4. A modulação de aplicação da lei, sugerida por membros do STF, sugere também que nós possamos modular o nível de degradação da corte e de seus membros.

  5. “…o direito de ampla defesa fique condicionada à apresentação anterior de reclamação e à comprovação de efetivo prejuízo ao réu.”
    Não entendi. Estão propondo um excludente de ilicitude onde o juiz pode descumprir as leis do Código do Processo Penal e o réu só pode reclamar se comprovar que foi prejudicado?

  6. Independente da tornozeleira, só o fato de Lula estar solto tira do STF a pressão de ter que fazer justiça e cancelar o julgamento.

  7. É questão de tempo. A lavajato vai ser reconhecida ilegal e todas as suas decisões e condenações ilegais e nulas.
    Lula e o PT inocentados.
    Empreiteiros inocentados pelos atos ilegais do moro e com direito à devolução das multas e requererão bilhões de indenização do estado e serão atendidos.
    A lavajato e seus pares e avalizadores, globo e stf, darão origem a dezenas de bilhões de indenização com a qual o estado terá que arcar.
    Isto é real e questão de tempo.
    COMO FICARÃO?

  8. De agora em diante deveria ser juntada a todo concurso público de juiz federal e de procurador da República uma prova bem severa de História do Brasil, preparada pelo departamento de História da Universidade de Brasília. Gente ignorante sobre a própria terra natal não poderia assumir tais cargos.

  9. Por que o futuro embaixador Eduardo Bolsonaro, que preside a comissão de relações exteriores, está impedindo que o sargento da Aeronáutica que estava com a cocaína no avião presidencial dê sua versão do acontecido à Câmara dos Deputados? Seu dever não era exigir justamente que houvesse o depoimento do sargento? Que coisa mais estranha! https://www.diariodocentrodomundo.com.br/exclusivo-sargento-preso-com-cocaina-na-espanha-processa-eduardo-bolsonaro-que-o-impede-de-ser-ouvido-na-camara/

  10. De agora em diante deveria ser incluída em todo concurso público de juiz federal e de procurador da República uma prova bem severa de História do Brasil, preparada pelo departamento de História da Universidade de Brasília. Gente ignorante sobre a própria terra natal não poderia assumir tais cargos.


  11. O psicanalista Christian Dunker teria, nestes dois casos, material de
    sobre para sustentar seu diagnóstico de que “há duas maneiras básicas de
    perversão da lei: afirmá-la por meio de uma negação ou negá-la por meio
    de uma afirmação”.”, ao que Freud chama de clivagem do EGO: Reconhece o fato mas o nega, isso de forma também a evitar uma dor psíquica, fato que não pode ser negado aos tais procuradores da república de Curitiba. Mesquinhos, tacanhos, são pessoas com tez de Perversão, como entendido na psicanálise. Deveriam estar presos, isso sim!!!

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