Lula: “O que vocês temem que eu diga?”

 

Lula, proibido de falar, escreve na Folha uma carta que, desde já, fica como documento do drama que vive nosso país a três meses de uma eleição sui generis: o favorito do povo brasileiro não a pode disputar e, sequer, dizer de viva voz o que pensa.

Em posts seguintes, comentariei o texto:

Querem me derrotar? Façam isso nas urnas

Lula, na Folha

Estou preso há mais de cem dias. Lá fora o desemprego aumenta, mais pais e mães não têm como sustentar suas famílias, e uma política absurda de preço dos combustíveis causou uma greve de caminhoneiros que desabasteceu as cidades brasileiras. Aumenta o número de pessoas queimadas ao cozinhar com álcool devido ao preço alto do gás de cozinha para as famílias pobres. A pobreza cresce, e as perspectivas econômicas do país pioram a cada dia.

Crianças brasileiras são presas separadas de suas famílias nos EUA, enquanto nosso governo se humilha para o vice-presidente americano. A Embraer, empresa de alta tecnologia construída ao longo de décadas, é vendida por um valor tão baixo que espanta até o mercado.

Um governo ilegítimo corre nos seus últimos meses para liquidar o máximo possível do patrimônio e soberania nacional que conseguir —reservas do pré-sal, gasodutos, distribuidoras de energia, petroquímica—, além de abrir a Amazônia para tropas estrangeiras. Enquanto a fome volta, a vacinação de crianças cai, parte do Judiciário luta para manter seu auxílio-moradia e, quem sabe, ganhar um aumento salarial.

Semana passada, a juíza Carolina Lebbos decidiu que não posso dar entrevistas ou gravar vídeos como pré-candidato do Partido dos Trabalhadores, o maior deste país, que me indicou para ser seu candidato à Presidência. Parece que não bastou me prender. Querem me calar.

Aqueles que não querem que eu fale, o que vocês temem que eu diga? O que está acontecendo hoje com o povo? Não querem que eu discuta soluções para este país? Depois de anos me caluniando, não querem que eu tenha o direito de falar em minha defesa?

É para isso que vocês, os poderosos sem votos e sem ideias, derrubaram uma presidente eleita, humilharam o país internacionalmente e me prenderam com uma condenação sem provas, em uma sentença que me envia para a prisão por “atos indeterminados”, após quatro anos de investigação contra mim e minha família? Fizeram tudo isso porque têm medo de eu dar entrevistas?

Lembro-me da presidente do Supremo Tribunal Federal que dizia “cala boca já morreu”. Lembro-me do Grupo Globo, que não está preocupado com esse impedimento à liberdade de imprensa —ao contrário, o comemora.

Juristas, ex-chefes de Estado de vários países do mundo e até adversários políticos reconhecem o absurdo do processo que me condenou. Eu posso estar fisicamente em uma cela, mas são os que me condenaram que estão presos à mentira que armaram. Interesses poderosos querem transformar essa situação absurda em um fato político consumado, me impedindo de disputar as eleições, contra a recomendação do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Eu já perdi três disputas presidenciais — em 1989, 1994 e 1998— e sempre respeitei os resultados, me preparando para a próxima eleição.

Eu sou candidato porque não cometi nenhum crime. Desafio os que me acusam a mostrar provas do que foi que eu fiz para estar nesta cela. Por que falam em “atos de ofício indeterminados” no lugar de apontar o que eu fiz de errado? Por que falam em apartamento “atribuído” em vez de apresentar provas de propriedade do apartamento de Guarujá, que era de uma empresa, dado como garantia bancária? Vão impedir o curso da democracia no Brasil com absurdos como esse?

Falo isso com a mesma seriedade com que disse para Michel Temer que ele não deveria embarcar em uma aventura para derrubar a presidente Dilma Rousseff, que ele iria se arrepender disso. Os maiores interessados em que eu dispute as eleições deveriam ser aqueles que não querem que eu seja presidente.

Querem me derrotar? Façam isso de forma limpa, nas urnas. Discutam propostas para o país e tenham responsabilidade, ainda mais neste momento em que as elites brasileiras namoram propostas autoritárias de gente que defende a céu aberto assassinato de seres humanos.

Todos sabem que, como presidente, exerci o diálogo. Não busquei um terceiro mandato quando tinha de rejeição só o que Temer tem hoje de aprovação. Trabalhei para que a inclusão social fosse o motor da economia e para que todos os brasileiros tivessem direito real, não só no papel, de comer, estudar e ter moradia.

Querem que as pessoas se esqueçam de que o Brasil já teve dias melhores? Querem impedir que o povo brasileiro —de quem todo o poder emana, segundo a Constituição— possa escolher em quem quer votar nas eleições de 7 de outubro?

O que temem? A volta do diálogo, do desenvolvimento, do tempo em que menos teve conflito social neste país? Quando a inclusão dos pobres fez as empresas brasileiras crescerem?

O Brasil precisa restaurar sua democracia e se libertar dos ódios que plantaram para tirar o PT do governo, implantar uma agenda de retirada dos direitos dos trabalhadores e dos aposentados e trazer de volta a exploração desenfreada dos mais pobres. O Brasil precisa se reencontrar consigo mesmo e ser feliz de novo.

Podem me prender. Podem tentar me calar. Mas eu não vou mudar esta minha fé nos brasileiros, na esperança de milhões em um futuro melhor. E eu tenho certeza de que esta fé em nós mesmos contra o complexo de vira-lata é a solução para a crise que vivemos.

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18 respostas

  1. É uma verdadeira Carta ao povo e às instituições. Libertem Lula, por favor! Nós precisamos de Lula nas eleições!

  2. Tão boa é esta carta que me fez enviá-la para todos os meus correspondentes. Na minha adolescência se dizia: truco, nêgo! (nas instituições brasileiras, é claro). Porém eu tenho o hábito de não ser assim tão entusiasmado por heróis e sempre detectar os vícios de posicionamento, mais pela falta do que pelos excessos. Nenhuma palavra sobre a imprensa e o judiciário no sentido de acusa-las de suas aberrações e sobre o que pretende fazer como candidato (pois não é isso que ele defende com justiça para si?). É a síndrome do tapinha nas costas. Mas, vá lá: parabens Lula.

    1. Zé Ricardo, seu discurso de ‘sou mas não quero ser, quero mas não sou’ já encheu o saco. Mete o pau duma vez e assume seu lado direitista, essas meias confissões suas te entregam, belô!

  3. Documento histórico que, guardadas as devidas proporções e conjunturas político sociais, é similar à Carta Testamento de Getúlio Vargas. Se esperam o suicídio físico de Lula, já que não o conseguiram aniquilar perante o Povo brasileiro, enganam-se mais uma vez, , pois aquele que nasceu no agreste pernambucano, lutando e resistindo contra a fome e a seca, vai continuar lutando e resistindo contra o Golpe, contra a entrega do Patrimônio nacional a interesses externos, pela Democracia com Inclusão Social e por um #BrasilFelizDeNovo.

  4. Depois de ler a carta que Lula — preso sem provas que o incriminem, há mais de 100 dias, — endereçou ao povo e a seus algozes, fica mais que evidente que só a reação popular vai dar conserto ao Brasil!
    Estamos enfrentando forças treinadas para conservar a indigência brasileira, por isso eles têm medo do Lula, único presidente que, em seus profícuos 8 anos de mandato, trouxe reais benefícios ao país e ao povo brasileiro de todos padrões, mormente aos menos favorecidos.
    E eles, os ousados golpistas que, ardilosamente na era FHC, infestaram nossas instituições, estão ganhando a briga no grito, pois representam uma ínfima porcentagem do povo a que estão submetendo seus nefandos crimes lesa-pátria ao privatizar empresas, absolver reais corruptos, aos quais estão ligados, e perseguir o Lula, querendo, a todo custo, alijá-lo da próxima disputa eleitoral.
    Portanto, mãos à obra, caros patrícios!! Antes que o mal cresça, corte-se-lhe a cabeça!!

  5. Belissima carta, pena que temos um PT e movimentos sociais mortos e a elite golpista faz o que quer e como quer.

  6. Crime de Hermenêutica apenas se for contra as convicções dos “nobres” e “doutos” advogados públicos. HIPÓCRITAS!!! Usam Livre Convencimento apenas e tão somente para os amigos no que convém. Isso não é justiça. Isso é litigância de má fé. Usam a assimetria de informações entre o juridiquês deles e a população para dar um ar de legalidade/moralidade a tudo que fazem, mas por trás daquelas palavras complicadas há intenções inimagináveis.

  7. Eu fico perplexo com a burrice da direita brasileira. Entreguista, submissa e burra. Não se deram conta que para um país desenvolver sua economia é indispensável fortalecer o mercado interno. Todos ganham. Eles tem pobrefobia, preferem perder dinheiro produzindo menos a ver pobre andar de avião.

  8. Documento que deve ser guardado e lido de vez em quando. Luiz Inácio, sim, é um estadista. Os que pensam que são, não passam de pigmeus perto dele.

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