Lula, no NYT: “Eu quero democracia, não impunidade”

O artigo do ex-presidente Lula,  publicado hoje pelo The New York Times:

CURITIBA, Brasil – Dezesseis anos atrás, o Brasil estava em crise; seu futuro incerto. Nossos sonhos de nos transformarmos em um dos países mais prósperos e democráticos do mundo pareciam ameaçados. A ideia de que um dia nossos cidadãos poderiam desfrutar dos padrões de vida confortáveis ​​de nossos colegas na Europa ou em outras democracias ocidentais parecia estar desaparecendo. Menos de duas décadas após o fim da ditadura, algumas feridas daquele período ainda estavam cruas.

O Partido dos Trabalhadores ofereceu esperança, uma alternativa que poderia mudar essas tendências. Por essa razão, mais que qualquer outra, vencemos nas urnas em 2002. Tornei-me o primeiro líder trabalhista a ser eleito presidente do Brasil. Inicialmente, o mercado financeiro se abalou; mas o crescimento econômico que seguiu tranquilizou o mercado. Nos anos seguintes, os governos do Partido dos Trabalhadores que chefiei reduziram a pobreza em mais da metade em apenas oito anos. Nos meus dois mandatos, o salário mínimo aumentou 50%. Nosso programa Bolsa Família, que auxiliou famílias pobres ao mesmo tempo em que garantiu que as crianças recebessem educação de qualidade, ganhou renome internacional. Nós provamos que combater a pobreza era uma boa política econômica.

Então este progresso foi interrompido. Não através das urnas, embora o Brasil tenha eleições livres e justas. Em vez disso, a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment e foi destituída do cargo por uma ação que até mesmo seus oponentes admitiram não ser uma ofensa imputável. Depois, eu fui mandado para a prisão, por um julgamento questionável de acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.

Meu encarceramento foi a última fase de um golpe em câmera lenta destinado a marginalizar permanentemente as forças progressistas no Brasil. Pretende-se impedir que o Partido dos Trabalhadores seja novamente eleito para a presidência. Com todas as pesquisas mostrando que eu venceria facilmente as eleições de outubro, a extrema direita do Brasil está tentando me tirar da disputa. Minha condenação e prisão são baseadas somente no testemunho de uma pessoa, cuja própria sentença foi reduzida em troca do que ele disse contra mim. Em outras palavras, era do seu interesse pessoal dizer às autoridades o que elas queriam ouvir.

As forças de direita que tomaram o poder no Brasil não perderam tempo na implementação de sua agenda. A administração profundamente impopular do presidente Michel Temer aprovou uma emenda constitucional que estabelece um limite de 20 anos para os gastos públicos e promulgou várias mudanças nas leis trabalhistas que facilitarão a terceirização e enfraquecerão os direitos de negociação dos trabalhadores, e até mesmo seu direito a uma jornada de oito horas de trabalho. O governo Temer também tentou fazer cortes na Previdência.

Os conservadores do Brasil estão trabalhando muito para reverter o progresso dos governos do Partido dos Trabalhadores, e eles estão determinados a nos impedir de voltar ao cargo no futuro próximo. Seu aliado nesse esforço é o juiz Sérgio Moro e sua equipe de promotores, que recorreram a gravações e vazamentos de conversas telefônicas particulares que tive com minha família e com meu advogado, incluindo um grampo ilegal. Eles criaram um show para a mídia quando me levaram para depor à força, me acusando de ser o “mentor” de um vasto esquema de corrupção. Esses detalhes aterradores raramente são relatados na grande mídia.

Moro tem sido celebrado pela mídia de direita do Brasil. Ele se tornou intocável. Mas a verdadeira questão não é o Sr. Moro; são aqueles que o elevaram a esse status de intocável: elites de direita, neoliberais, que sempre se opuseram à nossa luta por maior justiça social e igualdade no Brasil.

Eu não acredito que a maioria dos brasileiros aprove essa agenda elitista. É por isso que, embora eu possa estar na cadeia hoje, eu estou concorrendo à presidência. E por isso que as pesquisas mostram que se as eleições fossem realizadas hoje, eu venceria. Milhões de brasileiros entendem que minha prisão não tem nada a ver com corrupção, e eles entendem que eu estou onde estou apenas por razões políticas

Eu não me preocupo comigo mesmo. Já estive preso antes, sob a ditadura militar do Brasil, por nada mais do que defender os direitos dos trabalhadores. Essa ditadura caiu. As pessoas que estão abusando de seu poder hoje também cairão.

Eu não peço para estar acima da lei, mas um julgamento deve ser justo e imparcial. Essas forças de direita me condenaram, me prenderam, ignoraram a esmagadora evidência de minha inocência e me negaram Habeas Corpus apenas para tentar me impedir de concorrer à presidência. Eu peço respeito pela democracia. Se eles querem me derrotar de verdade, façam nas eleições. Segundo a Constituição brasileira, o poder vem do povo, que elege seus representantes. Então, deixem o povo brasileiro decidir. Eu tenho fé que a justiça prevalecerá, mas o tempo está correndo contra o democracia.

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19 respostas

  1. Lula, do fundo do cárcere injusto e ilegal de Curitiba para o maior jornal do mundo, o “The New York Times”: “Milhões de Lulas falarão por mim, inclusive em inglês”.
    #LulaLivre
    #FreeLula

    1. Lula escrevendo no New York Times, caro Cláudio. Alguém da família do Merval sabe onde ele está? Escondam facas e pílulas. Amarrem o homem senão o corte dos pulsos é certo.

  2. SÓ ISSO? É POUCO!

    Tem que apoiar o PL nº 06726/2016, do teto remuneratório, pra acabar com as fortunas que juízes, procuradores e legislativo recebem acima do teto de modo inconstitucional, com seus auxílios e penduricalhos de modo geral.

    Dias Toffoli está negociando para reduzir a quantidade de feriados no Judiciário e no MP:

    https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2018/08/dias-toffoli-vai-propor-acabar-com-feriados-exclusivos-do-judiciario.shtml

  3. A voz de Lula continua a ecoar pelo mundo. E há de voltar a ser ouvida plenamente no Brasil, depois que esse golpe dado por vermes for aniquilado.

  4. Como estamos agora em relação aos Estados Unidos e às eleições

    A nova orientação geopolítica dos Estados Unidos, que se superpõe ao chamado combate ao terrorismo e tende a substituí-lo completamente, coloca como prioridade máxima evitar que grandes potências independentes consolidem seu poder regional e avancem sobre a ordem mundial estabelecida, na qual pontificam os EUA como potência hegemônica absoluta. Estas grandes potências regionais independentes seriam o Irã, este em escala menor, e principalmente a China e a Rússia. Entretanto, sem qualquer tipo de reserva, poder-se-ia afirmar que também o Brasil estava nesta lista desde sempre, embora secretamente. O Brasil desafiou a hegemonia absoluta dos EUA na América do Sul, promovendo a integração cultural e econômica do Continente, criando órgãos regionais de poder e avançando sua influência não apenas sobre esta região, mas também sobre
    o mundo inteiro.

    Em sua nova orientação, os estadunidenses estão considerando a Rússia como um país ingrato que se beneficiou de uma estrutura mundial construída pelo Ocidente e agora está tentando não apenas ir contra a ordem estabelecida, mas também quer estender sua influência na Europa Oriental, na Ásia Central e até no Oriente Médio. Quanto à China, ter-se-ia do mesmo modo beneficiado com a ordem mundial estabelecida pelos Estados Unidos e agora estaria tentada a estender seu domínio sobre toda a Ásia e além, sobre todo o planeta. https://www.economist.com/leaders/2018/01/25/the-growing-danger-of-great-power-conflict . A Índia e a África do Sul, outras grandes potências regionais, poderiam ser facilmente contidas no universo dos interesses estadunidenses e não deveriam ser tidas como ameaças potenciais.

    Estes seriam os inimigos terríveis que o Pentágono e o Departamento de Estado terão de combater para assegurar a continuidade da hegemonia estadunidense, ora em franco declínio. O problema parece advir do fato de que tem gente que não quer ser grande entre grandes, mas sim, grande entre pequenos. O exercício demorado da hegemonia faz nascer vícios morais insanáveis. Contra aquelas “ameaças”, duas correntes duelam internamente nos EUA: Aquela que prega a força imediata e o conceito de “Guerra Total” ou “guerra absoluta” para não deixar que os concorrentes, agora promovidos à categoria de “inimigos”, cresçam mais do que já cresceram, sendo esta a corrente de Hillary Clinton. A outra corrente é a da “Guerra Econômica” que dissolve os postulados do liberalismo global com as medidas mais protecionistas já vistas e que, com a auto-confiança por vezes fatal dos muito fortes, pretende impor, usando unilateralmente e arbitrariamente instrumentos de domínio comercial, um novo desenho da economia mundial no qual os EUA tenham condições de reconstruir sua grandeza social e econômica interna, deixando de lado o caminho das guerras diretas e da ortodoxia neoliberal, de resto fincada em hipocrisia e malhada pelo grande volume das exceções. Esta seria a corrente de Trump.

    Entre as potências regionais que poderiam ser consideradas concorrentes e agora “inimigas” da ordem hegemônica estabelecida, estaria claramente o Brasil, não este Brasil de agora que está sofrendo um processo de recondicionamento geopolítico planejado e imposto pelos EUA, mas aquele Brasil Independente que chegou a ser a sexta economia do mundo e ficou perto de ser a quinta, o Brasil de antes do golpe de estado de 2016. Aquele Brasil estava consolidando sua área de influência regional sobre toda a América do Sul e daí já estaria a ensaiar maior protagonismo mundial, como no caso em que intermediou, ajudado pela Turquia, um tratado anti-nuclear com o Irã, tratado este que deixou furiosa a Secretária de Estado Hillary Clinton, conhecida como a Deusa da Guerra.

    Mas em sua trajetória, o Brasil não chegou a acumular nenhum arsenal nuclear ou de outras armas poderosas para desafiar os EUA no campo bélico. Para fundar as bases de sua independência, o Brasil confiou apenas na “fortaleza moral” daqueles supostos pilares da ordem ocidental, pilares
    estes amplamente apregoados pelos próprios Estados Unidos e seus aliados como sendo
    sagrados – Democracia, Direitos Humanos Universais e Estado de Direito. As armas do Brasil eram apenas a confiança naqueles avançados postulados morais que foram miseravelmente estraçalhados à vista de todos, sem nenhum pudor, exatamente para possibilitar um golpe de estado que realizasse o bloqueio de sua marcha e direção ao progresso. E foi por adotar esta crença de modo pueril que o Brasil foi contido com facilidade por meio de fortes expedientes de guerra assimétrica, alguns dos quais se apoiaram justamente na negação e na violação da democracia, dos direitos humanos e do estado de direito, em manobras repletas de falsidade institucional, sustentadas pela barreira de fogo de uma mídia completamente subordinada à velha e recalcitrante ordem mundial.

    Ainda falta, para que os Estados Unidos possam consolidar os resultados de sua guerra assimétrica e declarar o Brasil como uma “ameaça” afastada, alguma maneira de impedir que retornem ao poder pelo voto democrático as mesmas forças políticas que estavam levando o Brasil à indesejável condição de grande potência regional independente.

    E cá estamos nesta etapa dos acontecimentos: Diante de um campo de batalha eleitoral para o qual estão voltados os olhos do mundo inteiro. De um lado, as forças dispostas a fazer com que o
    “Brasil-potência-ameaça” seja definitivamente sepultado, pelo menos no horizonte de médio prazo. De outro, as forças do Brasil Independente, que vão começar as escaramuças com uma desvantagem importante, sem contar com a participação plena de seu maior general, que teve sua candidatura impugnada e sua presença física proibida na corrida, por uma série de manobras baixas e ilegais, já postas na conta dos muitos expedientes extraordinários que poderão ser acionados para tentar barrar a vitória quase certa dos independentistas.

  5. Precisamos das palavras do lider encarcerado.
    Ja que no Brasil a toga suja e a plimplim presstituta nao estão deixando, eu recorro ao NYT para saber a opinião do lider da senzala.

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