A metamorfose da insignificância. Por Nilson Lage

Estamos em vias de nos transformar em outro país.

Nossa base populacional foi constituída, originalmente, por milhões de indígenas distribuídos pelo território e número pequeno de negociantes europeus – portugueses, principalmente – que aqui aportaram nos primeiros dois séculos após o descobrimento.

Quando Portugal começou a colonizar de fato o território, por volta do Século XVIII, com os ciclos da mineração e da cana-de-açúcar, agregou-se à população um contingente de africanos estimado em quatro milhões de trabalhadores trazidos como escravos.

Nos últimos 150 anos, finalmente, outras correntes migratórias trouxeram ao país, e distribuíram de maneira desigual no território, excedentes populacionais e refugiados (europeus, principalmente) que foram se integrando à cultura originária – miscigenando aos poucos e aprendendo a ser livres.

Um país mestiço e diversificado, portanto. Nele se formou ideologia nacionalista, porém inclusiva, fundada na aspiração de harmonia, no orgulho da diversidade e na indispensável tolerância; os objetivos nacionais traçados exaltavam desenvolvimento e paz – destacadamente, desde o último quarto do Século XIX, com os vizinhos.

O que temos agora?

Não um novo governo, mas um novo regime, implantado pela fantasia que cerca uma família de sujeitos misóginos que refletem, em diferentes facetas, dinâmica de grupo esquizofrênica paranoica. O atraente carro alegórico dos Bolsonaro, armado de impressionantes e vazias palavras-de-ordem, transporta os demolidores do que resta de suporte institucional da nação que se desmonta: a burocracia do Itamaraty, as portentosas redes de ensino básico e superior e as estruturas concebidas para moderar conflitos étnicos e sociais agravados pela pobreza. Legiões de fanáticos os apoiam, numa reação religiosa subjacente, movida a Antigo Testamento, exorcismos e extorsão dos fiéis.

O exército nacional, covarde e estulto, aceita e colabora.

Outros pilares do edifício institucional brasileiro foram anulados ou abalados em longo processo de castração cultural, infiltração e convencimento que, na última década, configura o quadro de guerra híbrida, patente norte-americana. Assim ruíram as áreas industriais de tecnologia avançada, a indústria de infraestrutura e, em particular, de extração e processamento do petróleo: dono de enormes jazidas, o país poderia apoiar-se nelas para um salto maior, porque não constituiriam suporte único (como na Venezuela ou na Arábia Saudita), mas se integrariam ao quadro de uma economia diversificada, como é o caso dos Estados Unidos.

Nesse processo utilizaram-se destacadamente herdeiros de famílias oriundas de regiões em que grassavam ideias fascistas, há três ou quatro gerações – os Moro, os Franceschini, os Dallagnol etc. – alojadas no Sul do país em “terras novas” do interior; e personagens de guetos étnicos coloniais, base eleitoral do antigo integralismo pró-nazista/salazarista. Tal como em outras partes do mundo, o fascismo renasce, inflado pelo capital; seu discurso nacionalista é hoje meramente cínico.

O único objetivo do regime em implantação é destruir o país que havia. O novo terá muitas farmácias, enormes lojas de quinquilharias, milícias e bangue-bangue: se imaginará branco, pertencerá à ganância e será gerido com base em interesses externos. Não pretende nada, não construirá nada, não quer ser nada – apenas um campo de combate enorme, onde lutaremos todos, do berço ao túmulo, uns contra os outros e pela sobrevivência de cada qual.

Indefesos, apenas individualmente armados.

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21 respostas

  1. ———O exército nacional, covarde e estulto, aceita e colabora.———
    ME DESCULPEM ,MAS ,ISTO É DE UM INGENUIDADE SEM TAMANHO.
    Atribuir a família ASNOS um poder que eles não possuem nem sequer desejado nas suas mais ferventadas noites de sonhos, é cegueira.
    O GOLPE VEIO DE FORA E É MUITO MAIOR QUE OS MILICOS,JUÍZES ,.MÍDIA E ASNOS.

    1. O exército, como a base popular, foi deixado à vontade. O povo foi por abandono mesmo, pela falta de vontade de orientar, de instruir politicamente a nação, a fim de protegê-la, sobretudo, do câncer que vem do hemisfério norte e da banca. Foi a síndrome do gabinete e do ar refrigerado em comorbidade com o salto alto. No caso do exército foi puro descaso diante de algo que era sabido. O verdadeiro instrutor dos jovens militares, na AMAN e nas escolas de especialistas e de formação militar sempre foi a CIA. Deixaram essa gente repetindo uns aos outros as abominações pregadas por quem não cumpre essas asneiras em sua própria terra, apenas nas terras dos estultos que desejam dominar. E temos, então, por consequência, uma força armada, principalmente, em sua oficialidade, composta por indivíduos treinados e formados mediante uma disciplina e métodos eficazes, muitos com um nível de formação extraordinário, mas, condicionados a um estado de quase idiotia, quando confrontados com a diversidade do mundo e com qualquer coisa que contradiga os rígidos princípios, estratégica e ardilosamente inculcados em suas mentes. Infelizmente, assim, temos um contingente de homens, que, como disse um desses generais, não lembro qual, que falam outras línguas, que detêm conhecimentos técnicos invejáveis. mas, agem como verdadeiros símios sobre as árvores, vociferando contra qualquer grupo que não seja o seu. Talvez sequer se apercebam de que, a partir de sua visão torta, conduzida por um inimigo externo insidioso, tornam-se verdadeiros traidores de seu povo e da pátria de que tanto se ufanam. A formação nas academias e escolas da área militar é coisa sensível e estratégica e jamais deveria ter sido negligenciada. Isto deveria ser assunto de estado.

    2. só complemetando sua afimaçao principal,lembra da entrevista do Aragão,ministro da Justiça da Dilma,falando da conversa que tivera com o Janot(a) ,que lhe dissera que o que estava por trás do impecheament era muito maior que ele….?

  2. O problema não é Bolsonaro e sua família. Bolsonaro é um acidente de percurso em uma aventura temerária (com o perdão do trocadilho), mas ele e sua trupe são em si mesmos totalmente descartáveis. O problema são as oligarquias golpistas e predatórias e a massa de manobra colerizada e irracional que apoiou esse movimento político antidemocrático e regressivo que conduziu o país a essa situação e a esse impasse.

    1. Não é um acidente de percurso e nem o exército, acovardado, apoia, como escreve Nilson Lage, tudo foi planejado, como escreve uma revista argentina: ”

      Jair Bolsonaro foi o homem que a cúpula das Forças Armadas escolheu há quatro anos para que se convertera a presidente do Brasil. Com este objetivo entrou em contato com ele, se acercou e moldou sua ideologia,
      de modo a convertê-lo no pivô de uma doutrina para uma “nova democracia”, na qual os militares terão voz e atuação política, superando o papel subalterno a que foram relegados pelo poder civil. Se ganha as eleições deste domingo, o programa do futuro governo cívico-militar será conservador no político e absolutamente liberal no econômico. Buscará erradicar, de uma vez para sempre, a extrema esquerda.” (Revista Letra P,
      Buenos Aires, 05/10/18, traduzido por mim)

      1. Não podemos ler a história da frente para o começo. Quando colocou em marcha o Golpe contra Dilma, nem Bolsonaro ou que tais, nem militares, participaram da decisão ou dos arranjos do golpe de estado contra a democracia brasileira. Foram isso sim os políticos (cardeais do PSDB e do _P_MDB e o Supremo), a grande imprensa e o grande capital (os bancos em particular) de um lado e os claros interesses corporativos e geopolíticos “internacionais”(dos EUA em particular) de outro, incomodados com o projeto de poder independente, democrático e popular. Mas nada foi – e ainda nada é – capaz de estabilizar esse Golpe de Estado que tende claramente a uma ditadura. A incapacidade do próprio estabilishment brasileiro em oferecer um candidato viável a esse projeto de poder e de país é que criou as condições para toda classe de oportunista que surgiu do golpe (de juizecos de província a deputados venais, de psicopata policial-militar a psicopatas ideológicos, de trombadinhas milicianos a velhacos gangsters, todos loucos mas que não rasgam dinheiro, todos carreiristas típicos procurando seu lugar ao sol na nova temporada de caça aos “comunista”). Não foram “os militares” os criminosos mas podem que uma vez mais venham a ter sua mãos sujas de sangue. Parece que gostam mesmo desse papel de guarda costas e capangas de oligarcas e de “tropas de ocupação”…..¡Digo yo!

    1. Texto de Nilson Lage….em colaboração….mas pra submergimos temos de por os pés no fundo da piscina….desculpe a intervenção. Abraço do lado esquerdo…Siempre!!!

    2. Puro realismo do Nilson Lage. Reflexao importantissima e obrigatoria para todos que amam o Brasil que estao destruindo, possivelmente de forma irreversivel.

  3. O professor mais uma vez fala de um país imaginário: Brasil de Gilberto Freyre, de Da Matta, Sergio Buarque de Holanda e outros discípulos uspianos. Jessé Souza é leitura indispensável para pensar o Brasil real, oligarca, escravocrata, ou seja, o Brasil dos donos do poder q sempre chicotearam o povo negro, pobre, escravo e subalterno. País q tem a elite mais cruel e bárbara do mundo. Elite q coopta uma gde parte da classe média ignara e alimentada no ódio pelo pobre e preto. Esse Brasil descrito por Jessé Souza é o Brasil q o Bozoasno está papando com alegria e de maneira tosca. Conclusão: uma elite tosca e colonizada só podia mesmo continuar seu domínio sobre os viralatas de sempre: classe média e subalternos outros totalmente obtusos e dominados.

  4. Após ler o magnífico artigo,se consolida mais,em minha mente,nativo de região mencionada,o sul,fronteira com o Uruguai e Argentina,a tese de que os brasileiros todos,somente são solidários,no SUICÍDIO COLETIVO.Ainda não acharam a fórmula de adequar tal proceder,mas caminham a passos largos,nessa direção.A tão decantada miscigenação,produz somente VERMES HUMANOS.As exceções,são MINÚSCULAS E SEM FORÇAS.Quem sabe armados,matem-se,uns aos outros.

  5. Estive refletindo sobre a estética militar (a oficial, pelo menos).

    Basta ver os monumentos erguidos, artigos e hinos: Palavras como bravura, nação, responsabilidade, sentimento de dever.

    Já Boçal Nato, embora se auto-intitule militar, usa a estética dos milicianos: É metralhar, cortar a cabeça, apodrecer o inimigo – conjugada com o nefasto gesto de simular uma arma com as mãos.

    Se suas palavras fossem musicadas num funk, passaria tranquilamente por um “proibidão” – caso não se conhecesse seu autor.

    Um marginal de quinta, em suma.

  6. Perfeito, e qualquer analise que não passe pela ofensiva hibrida que sofremos, e esse processo de desconstrução ideário, está fadada a não entender de verdade que a sociedade vive hoje em um mundo paralelo, onde havia um governo que era na verdade uma ditadura comunista, com fixação homossexual, extremamente corrupta, cheia de arbitrariedades, escondidas atras de uma midia alinhada.

    E essa percepção está em todos, em graus de articulação variados, inversamente proporcionais ao nível intelectual, aí inclusos QI e recursos culturais. E isso é só a bomba de fumaça, e seu efeito moral.

    * A triste realidade, novo regime, sem duvidas, assim tem sido pelo mundo. Sendo mesmo assim, o que está aí não vai largar o osso, não tem esse costume, qualquer pudor com a população, ou com as elites locais . Não colocaremos mais as mãos nas reservas do pré Sal, em ultimo caso, nos transformam numa Síria.

  7. Acho que, pela primeira vez, vou discordar do Professor: fomos forjados na exclusão, na violência, no extermínio e também na hipocrisia, na convivência “harmoniosa”. Bolsonaro é como os bandeirantes. As palavras de ordem desse “governo” são matar, exterminar, extinguir, sejam pessoas, sonhos, ideias, debates.

    1. Concordo. Ignorar essa contradições inerentes à formação da nossa identidade não ajuda a entender o atual momento, ou a pensar em saídas para ele – que eu não enxergo a curto ou médio prazo de todo jeito, mas enfim.

  8. Provarão do próprio veneno. O chefe é um boi de piranha e morrerá dilacerado por elas ou não sobreviverá à mesa de operação que o aguarda. Já o operador do bolsogate é a crônica anunciada de uma queima de arquivo. Ou seja, nada de bom espera esses que aí governam.

  9. “Um país mestiço e diversificado, portanto. Nele se formou ideologia nacionalista, inclusiva, fundada na aspiração de harmonia, no orgulho da diversidade e
    na indispensável tolerância; os objetivos nacionais traçados exaltavam
    desenvolvimento e paz”. Puxa, eu gostaria muito de ter vivido em tal país; apenas que num país assim Bolsonaro jamais teria sido eleito. Quem é pobre, quem é negra ou negro, indígena, sabe muito bem que nós somos racistas, somos misóginos, somos um povo que elegeu Bolsonaro. Não vejo como idealizar o povo brasileiro pode ajudar em algo nessa altura do campeonato.

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